Flavio Cruz

A Sra. Stevenson quer me levar para o céu

Era fabuloso o que estava acontecendo. Algumas pessoas conseguiam chegar a 250 anos de idade. A grande maioria atingia facilmente de 190 a 210. Praticamente não havia doenças ou acidentes. Quando aconteciam, tudo era facilmente acertado com “programas de recuperação genética”.
Há mais de 300 anos atrás o supermapa do genoma humano havia sido feito pela primeira vez. Desde esse evento cada vez mais a ciência genética evoluiu de forma surpreendente. Os únicos fatores que seguraram a ciência nas primeiras décadas a partir daí, eram a ignorância, a pobreza e a ganância humana. Mas isso também passou. Agora mesmo com essa idade avançada, se as pessoas quiserem, elas não morrem. Em quase todos os casos, entretanto, as pessoas decidem simplesmente “parar”. Algumas são congeladas, outras simplesmente usam o sistema de “autodeleção”, uma maneira suave e civilizada de morrer. O ser humano consegue tudo tão facilmente, não há desafios e por mais interessante que seja o mundo virtual, chega-se a um ponto em que as pessoas se cansam, ficam aborrecidas.
Outro problema, mais grave, estava surgindo:  a superpopulação. Nos últimos dois séculos os humanos criaram colônias habitáveis em Marte e na Lua. Adequaram o espaço na Terra da melhor forma possível usando incrível tecnologia. Limitaram os nascimentos a um nível mínimo. Cada grupo familiar, ou seja, cada grupo genético, tinha direito um número limitado de novos “filhos”. A gestação era em laboratórios e de acordo com sofisticadíssimos procedimentos genéticos. Era uma verdadeira fábrica de super-homens que, ao mesmo tempo, mantinha uma diversidade biológica ao distribuir os nascimentos por grupos. Ainda assim, devido à longevidade, a superpopulação voltava a ameaçar o nosso planeta. Diminuir os nascimentos não era uma opção. O nível já era baixíssimo e comprometeria toda a raça ao manter um nível tão alto de pessoas mais velhas.
Eu estou com 80 anos e portanto sou jovem ainda. Claro que me preocupo com o problema. Não quero ter limitação de espaço e nem quero ir morar numa nave ou plataforma que fica em órbita para resolver o problema de espaço. Alguém tem que fazer alguma coisa. E eu sei o que eles vão fazer. Na verdade já estão fazendo. Outro dia recebi uma ligação e apertei de leve o “nanochip” implantado no dorso de minha mão para receber a ligação. Era a Sra. Stevenson. Ela se identificou como do programa de “perpetuação virtual da vida”. Achei o nome interessante e ouvi. Era uma pessoa de verdade, não era uma máquina falando. Isso era um bom sinal. Ela me explicou a respeito desse novo programa da Administração Central. Décadas de pesquisa para proporcionar o máximo de bem-estar e de prazer para as pessoas. O corpo ficaria em repouso, o cérebro trabalharia em ondas baixíssimas e então, a grande maravilha. Todos os prazeres, todas as melhores sensações, a própria essência da vida, virtualmente inseridas em mim. Palavras da Sra. Stevenson. O programa exacerbava – foi essa a palavra que ela usou – todos os meus sentidos. Ela tinha certeza de que ser nenhum, até então, havia experimentado tal gama de prazeres e bem-estar.
Era bom demais. Quanto tempo durava? Havia perigo de não se conseguir voltar? A Sra. Setevenson explicou. No começo eles deixaram aberta a opção de voltar. No entanto, tudo era tão bom, que nunca, uma só única vez, alguém quis voltar. Diante disso, para que manter máquinas caríssimas só para a possibilidade de, em décadas, alguém querer voltar? Seria uma idiotice. Do jeito que ela falou tudo pareceu ter bastante lógica. Mas eu argumentei que aquilo era a mesma coisa que morrer. Primeiro ela contra-argumentou que quem optava por morrer não ficava tendo prazer indefinidamente como as pessoas participantes do programa. Daí ela me perguntou se eu acreditava em céu. Pergunta retórica. Há muito tempo ninguém mais acreditava em céu...” Pois é, isso é o paraíso”, ela falou. Boa de marketing a Sra. Stevenson. Muito boa. Fiz mais uma pergunta. Dá para se ter uma amostra antes de entrar no programa? Claro que sim. Marcamos para o dia seguinte, dez minutos de “céu”.
Lá estava eu no dia seguinte, na hora marcada. A Sra. Stvenson era linda, um capricho da engenharia genética. Podia se dizer, se fosse daqueles que gostam de coisas antigas, que ela mesmo era um pedaço de céu...
Entrei na cápsula. Relaxei. Colocaram uns instrumentos na minha cabeça, comecei a ficar sonolento. Quando percebi, lá estava eu no meio de uma ceia, daquelas que as pessoas faziam antigamente, comida de verdade, em pleno século 21. Quando experimentei a comida, senti um prazer que jamais sentira antes. Enquanto comia, não precisaria de mais nada, mas outros prazeres invadiram meu cérebro. Prazeres mil. Tive dias e dias de prazer, paz e felicidade. De repente tudo ficou branco. Fui acordando devagar e vi olhando para baixo, o rosto da Sra. Stevenson. Ela me disse “Não vou perguntar se você gostou porque já sei a resposta.” Na verdade perguntei para ela porque me deixou dias na cápsula se o combinado era apenas 10 minutos. Ela riu. “Você ficou só dez minutos”, ela me falou. Estava quase com raiva de eles terem me acordado. Queria voltar. A Sra. Stevenson me explicou que era impossível no momento. Explicou também que as minhas ondas cerebrais não tinham atingido o nível mais baixo, pois era perigoso fazer isso em apenas dez minutos. Se eu tivesse ido para as ondas mais baixas, meu prazer seria multiplicado por 7 ou 8!? Ela devia estar brincando, não é possível se ter mais prazer do que aquilo.
Cinco dias me foram dados para que eu desse a resposta. Aquilo era realmente um paraíso, não sei como eles conseguiram criar algo tão espetacular assim. No entanto, minha inteligência me mostrava o óbvio. Aquilo era a morte antecipada, claro, com um céu de recompensa. Certamente quem concordasse com aquilo estava decidido a deixar esta sociedade, este mundo. Talvez valesse a pena. Como disse, a Sra. Stevenson era um prodígio de marketing.
Pensei e pensei. Mas não sei se pensei direito, pois só pensava no prazer que senti, nas sensações inéditas que experimentei. Sete vezes mais prazer do que aquilo, ela estava brincando?
No quarto dia tomei a decisão e avisei a Sra. Stevenson que tinha concordado em participar do programa. Ela riu. Afinal de contas você não pode rejeitar um convite para ir ao paraíso. Claro que não. E é exatamente isso que a Sra. Stevenson quer, ela quer me levar para o céu...

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Veröffentlicht auf e-Stories.org am 17.03.2015.

 
 

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